Um poema de Clarice Lispector, denominado “Não te amo mais”, pode definir o atual estado do torcedor com a Seleção Brasileira. E assim é sublinhado: Não te amo mais. Estarei mentindo dizendo que ainda te quero como sempre quis. Tenho certeza que nada foi em vão. Sinto dentro de mim que você não significa nada. Não poderia dizer jamais que alimento um grande amor. Sinto cada vez mais que já te esqueci! E jamais usarei a frase: EU TE AMO! Sinto, mas tenho que dizer a verdade. É tarde demais.
A pergunta que fica é: O amor do torcedor pela Seleção acabou? A sequência de decepções seguidas em Copas do Mundo fizeram com que o sentimento do brasileiro com a seleção canarinho fosse desgastado e, consequentemente, tivesse um ponto final? Quais passos levaram para que chegasse nesse ponto de desgaste? O clubismo influenciou nisso? O desgaste visível entre clubes e CBF tiveram alguma influência nisso? A saída precoce de jovens jogadores ao futebol internacional tem culpa nisso também?
Para responder, a reportagem do Bahia Notícias procurou dois personagens para falarem sobre o tema. O primeiro, Thiago Uberreich, jornalista, pesquisador das Copas do Mundo e autor de livros sobre as conquistas da seleção brasileira em Copas. Thiago falou sobre esses diversos questionamentos.
“Eu acho que não acabou. Creio que não vai acabar nunca, pois o brasileiro, bem ou mal, gosta de futebol e acompanha. A Copa do Mundo ainda é essa catarse coletiva, mas eu acho que essa relação nunca esteve tão estremecida. A relação do brasileiro com a seleção não é mais a mesma, e não sei se será a mesma de outros tempos. São inúmeros os fatores que contribuem para isso, mas eu acho que, desde 1914 (ano de criação da seleção brasileira) nunca houve uma relação tão ruim do brasileiro com a seleção”, disse o jornalista.
“E eu acho que, antes de amor e relação ruim, é desinteresse. O brasileiro não tem mais interesse em acompanhar a seleção, vimos o exemplo disso na Copa América. As pessoas não estavam nem aí para o Brasil na Copa América e não estão nem aí para o Brasil nas Eliminatórias. Então, eu acho que o amor não acabou, mas a relação é a pior possível”, continuou Thiago.
Thiago também foi perguntado se, de fato, os constantes embates entre clubes e Confederação Brasileira de Futebol (CBF), de alguma forma influenciam no afastamento.
“Eu não acredito muito que essa questão de bastidor atrapalhe. Eu não acho que esse seja o principal motivo para que a torcida não ligue para a Seleção. Claro que é sempre ruim que haja um conflito. Mas, por exemplo, se os clubes não aceitassem ceder jogadores, aí talvez teria alguma influencia, mas não é esse o caso. Eu não acho que esse seja um dos principais fatores que influenciem no afastamento”, disse Uberreich.
O autor também falou sobre um grande debate atual, sobre os altos valores dos produtos relacionados à Seleção. Como ingressos, materiais esportivos e streamings de transmissão das partidas.
“É claro que, quanto mais caro o ingresso, menos chances das pessoas que possuem um menor poder aquisitivo de assistir ao futebol, mas nem por isso as pessoas deixam de acompanhar o futebol. Hoje, com as redes sociais, com os streamings e até mesmo com as transmissões piratas, as pessoas acompanham. Não é por falta de informação ou a dificuldade de acesso que fazem as pessoas se distanciarem”, falou.
Jovens mal surgem e já são vendidos. Casos como o de Vini Jr, Rodrygo, Endrick e Estêvão só escancaram mais o divórcio da torcida com a seleção.
“Existem grandes motivos para haver esse descasamento da seleção com o torcedor. Primeiro: a saída precoce dos jovens, o que é um fator primordial. Os jovens saem muito cedo e não têm identificação com os clubes. Ou seja, o torcedor aqui no Brasil não tem os ídolos como tinham antigamente. Isso influencia muito. Outra questão: a seleção não joga bem faz muito tempo, e em 2026, a seleção vai com a mesma fila de anos sem títulos que foi da Copa de 70 a 94”, disse, e continuou.
“Parece que o Brasil não fabrica mais jogadores como esses. A gente não conhece os jogadores da seleção. A gente vê os jogadores perfilados para o hino e não sabe quem são. Então, você não tem como torcer para o que você não conhece, se você não tem identificação com esses torcedores. Os garotos também tem muitas referências dos clubes do exterior. É uma soma de fatores e não apenas um único fator, que fazem com que a gente não tenha mais identificação com a seleção”, finalizou.